O fundo dos oceanos guarda mais do que espécies marinhas fascinantes e paisagens misteriosas. Ele também esconde uma crosta fina que intriga geólogos do mundo todo, principalmente pelo potencial de alcançar amostras do manto terrestre — uma camada essencial da estrutura do nosso planeta. Um novo esforço de perfuração em alto-mar busca justamente romper essa barreira.
Atualmente, os oceanos possuem uma profundidade média de cerca de 3,7 quilômetros. No entanto, a região mais profunda, conhecida como Depressão Challenger e localizada na Fossa das Marianas, atinge aproximadamente 10.935 metros. Mas o que existe abaixo desse imenso volume de água?
A resposta está nas rochas — assim como ocorre na superfície terrestre. A crosta terrestre varia em espessura: sob os continentes, pode alcançar 30 quilômetros ou até 100 km sob cordilheiras. Já sob os oceanos, essa crosta costuma ter entre 6 e 7 quilômetros de espessura. Ela é composta principalmente por basaltos e gabros, formados a partir de magma que esfria rapidamente.
Nas chamadas dorsais meso-oceânicas, o magma sobe por fissuras na crosta oceânica e gera novas rochas, expandindo o leito marinho. Esse processo contínuo torna a crosta oceânica um verdadeiro campo de estudos para cientistas, especialmente porque pode permitir o acesso direto ao manto terrestre — algo extremamente raro.
Avanços Científicos em Alto-Mar
Nos últimos anos, equipes internacionais vêm se dedicando a projetos ambiciosos de perfuração oceânica. Recentemente, um grupo de pesquisadores atingiu a marca de 1.000 metros abaixo do leito marinho, coletando rochas que podem ter origem no manto. Embora tentativas anteriores tenham sido limitadas por questões técnicas e orçamentárias, os avanços atuais são promissores.
A perfuração profunda em terra já havia alcançado recordes históricos, como o projeto soviético Kola Superdeep Borehole, iniciado em 1970. Ele perfurou até 12.261 metros de profundidade na Península de Kola, na Rússia. Entretanto, perfurar sob o mar se tornou uma alternativa mais viável para alcançar camadas do manto, pois a crosta oceânica é mais fina. Apesar disso, o desafio técnico é imenso: manter o navio e a broca estáveis em mar aberto exige precisão e tecnologia avançada.
Projetos Históricos e Iniciativas Atuais
Na década de 1960, cientistas norte-americanos conseguiram atravessar 13 metros de basalto, mas o projeto foi encerrado por falta de recursos. Já em 1993, uma nova equipe conseguiu perfurar mais de 200 metros de peridotito serpentinito — um tipo de rocha associada ao manto. Agora, pesquisadores a bordo do navio JOIDES Resolution estão perfurando nas proximidades do Maciço Atlantis, no campo hidrotermal Lost City, uma cadeia montanhosa submersa.
Segundo os cientistas envolvidos, essa região oferece acesso facilitado a rochas do manto, devido ao processo de expansão ultra lenta do fundo oceânico, que traz rochas profundas para áreas mais superficiais.
Vincent Salters, geoquímico da Universidade Estadual da Flórida, afirma que as amostras coletadas são inéditas: rochas que nunca se fundiram em magma, o que as torna ainda mais valiosas para o estudo da composição interna da Terra.
No entanto, nem todos os pesquisadores concordam plenamente com essa classificação. Donna Blackman, geofísica da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, alerta que essas rochas já podem ter sido alteradas pela água do mar, o que colocaria sua origem no limite entre a crosta profunda e o manto.
Futuro das Pesquisas Geológicas
À medida que os trabalhos avançam, a expectativa é que novas amostras ainda mais profundas sejam obtidas, permitindo separar com maior precisão o que pertence à crosta e o que realmente é manto. Essa distinção pode ajudar os cientistas a entender melhor a formação da Terra, seus processos geológicos e até mesmo prever futuros eventos sísmicos com maior precisão.
O fundo do mar, ao que tudo indica, ainda tem muitos segredos a revelar — e a ciência está cada vez mais próxima de descobri-los.