Os mercados de renda fixa na América do Sul apresentam dois cenários distintos, mas que chamam a atenção dos investidores: de um lado, a segurança cobiçada dos títulos públicos brasileiros; do outro, o rali especulativo dos títulos argentinos impulsionado por mudanças políticas.
Tesouro IPCA+: A Rara Janela de Juros Reais Acima de 6%
No Brasil, analistas de investimentos, gestores e alocadores demonstram um consenso raro: dificilmente uma aplicação em Tesouro IPCA+ (NTN-B) com os juros reais atuais dará errado. Estes papéis prometem devolver o principal acrescido da inflação (IPCA) e uma taxa prefixada que, há mais de um mês, está acima de 6% ao ano. Na atualização desta segunda-feira (27), as taxas variavam de 6,06% a 6,12%.
Para entender se 6% é uma taxa vantajosa, especialistas sugerem olhar o histórico. “Toda vez que a NTN-B está pagando inflação mais 6%… as chances de [esse investimento] bater o CDI, historicamente, na janela dos últimos dez anos, foi de 81%”, explicou Artur Wichmann, CIO da XP. Segundo um levantamento da Quantum Finance, nos últimos dez anos, essa janela de retorno real igual ou superior a 6% apareceu em apenas 24,3% das sessões.
Estratégias e Cuidados com os Títulos Brasileiros
Apesar da atratividade, é preciso cautela. A venda antecipada, por exemplo, não tem sido uma boa estratégia recentemente. Se as taxas de mercado sobem (como ocorreu em abril), o investidor que vende antes do prazo amarga prejuízo devido à marcação a mercado. O Tesouro IPCA+ 2055 teve uma rentabilidade negativa de 3,86% em abril.
Por isso, especialistas recomendam atenção ao prazo. A preferência atual é por vencimentos curtos e intermediários, como o IPCA+ 2035, que entrega bons retornos sem o alto “risco de duration” (tempo de retorno do investimento) dos títulos muito longos. Para quem já possui os papéis esperando a queda dos juros, Kaique Fonseca, da A7 Capital, recomenda segurar, pois a visão de que os juros cairão (ainda que mais lentamente) se mantém.
O Cenário Oposto: Títulos Argentinos Disparam com Vitória de Milei
Em forte contraste com o cenário brasileiro de risco calculado, os títulos da dívida argentina dispararam na segunda-feira. O motivo foi o desempenho surpreendente do presidente Javier Milei nas eleições legislativas, que superou até as previsões mais otimistas. Os títulos em dólar com vencimento em 2035 saltaram mais de 13 centavos, atingindo o recorde de 70,34 centavos de dólar e liderando os ganhos entre os mercados emergentes.
Capital Político e Apoio Externo na Argentina
Com mais de 90% dos votos apurados, o partido de Milei obteve 41% dos votos, garantindo 64 das 127 cadeiras na câmara baixa e 13 das 24 no Senado. O mercado previa apenas 30%. “A escala da vitória de Milei está no extremo mais otimista das expectativas”, avaliou Alejo Czerwonko, da UBS. “Seu partido agora detém o capital político necessário para acelerar as reformas estruturais.”
Esse resultado também dissipa dúvidas sobre o apoio crucial dos EUA. A administração Trump havia assinado uma linha de swap de 20 bilhões de dólares com o banco central argentino e negociava um pacote adicional de 20 bilhões. Trump havia sinalizado que poderia retirar o apoio se a agenda de Milei fosse derrotada. Gestores de fundos afirmam que o peso também deve se recuperar, à medida que investidores “correm para fechar posições” compradas em dólar antes da eleição.